quarta-feira, 3 de agosto de 2016

♪Partituras musicais dos fãs - 30 - Isolda Bourdot♪

Um momento nobre deste Blog e uma das postagens mais importantes que já fiz nesses quase nove anos em que escrevo sobre música. Hoje esta série poderia se chamar "Partituras musicais do ídolo", pois tenho certeza que todos os que são fãs do rei Roberto Carlos, todos os que apreciam a boa música, conhecem e amam as composições da Isolda, algumas em parceria com seu irmão, o saudoso Milton Carlos. E hoje, generosamente, Isolda aceitou participar desta série e contar pra nós um pouco sobre sua marcante carreira, pois "Só assim sentimos ela bem perto de nós, outra vez". E vamos à entrevista:

1 - Quando e como você descobriu que era compositora?

♪Quando criança, por volta dos meus 9 e 10 anos eu brincava de teatro com meu único irmão - Milton Carlos. Era teatro musical e eu era responsável pela "trilha". Foram muitas histórias infantis onde minhas bonecas eram as atrizes.

2 - Qual a sua reação quando ouviu pela primeira vez um sucesso seu tocar nas rádios e qual foi este sucesso?

♪Foi a música Samba Quadrado - gravação do meu irmão - Foi meio irreal, mas apaixonante.

3 - Quando percebeu que este era seu ofício, o de compor, quem sonharia que gravasse uma canção sua naquele momento?

♪Nunca imaginei que esse era meu ofício. Eu estudava para fazer jornalismo, na época em que fazendo vários festivais da canção, alguns cantores começaram a nos pedir música. Tranquei a faculdade e não voltei mais, até hoje. Tanto eu como meu parceiro, meu irmão, sonhávamos um dia gravar com o rei, mas achávamos esse sonho impossível. Éramos jovens demais.

4 - Seu irmão, o saudoso Milton Carlos, foi sua primeira e maior ligação com a música?

♪Sim, meu parceiro maior, meu melhor amigo.

5 – E quando ouviram a canção Amigos, amigos gravada pelo Roberto, qual a sensação?

♪Quando soubemos da gravação, eu estava casada, passando férias em Curitiba. Milton me contou por telefone e eu tremendo de emoção, nem acreditei e voltei correndo pra São Paulo. Foi uma imensa alegria.

6 – Sinto e já te disse isso: Outra vez é a canção mais parecida com o Roberto, que não é da autoria dele. Você a fez pensando nele, digo em sua interpretação? 

♪Eu fiz essa canção num momento bem "divisor de águas da minha vida". Fazia alguns meses que eu tinha perdido meu irmão num acidente, acabava de me separar do maior amor da minha vida e reiniciava minha vida em São Paulo (morava em Curitiba, com meu marido). Não, não pensei nem que essa canção seria gravada. Fiz como um desabafo pessoal. Quando enviei ao Roberto no meio de outras canções (ainda em parceria com meu irmão) e depois soube que ela tinha sido escolhida, imaginei que Roberto teria gravado justamente essa, só em meu nome, por esse conhecido comportamento dele, em ajudar os amigos. Na minha opinião essa canção não tinha nada para ser sucesso. Era muito pessoal. 

7 – Houve ou houveram canções que, quando você estava compondo pensava: essa é para a voz de tal cantor (a)?

♪Sim, a música "O pior é que eu gosto" por exemplo, imaginei Alcione cantando. E foi o que aconteceu.

8 - Gosto muito de Tente esquecer e Um jeito estúpido de te amar. Acho que a primeira, por exemplo, merecia uma releitura, um resgate com uma boa intérprete, tipo com Nana Caymmi. Você tem essa sensação com alguma de suas canções?

♪Tenho sim e é interessante você colocar justamente essas duas canções super importantes emocionalmente pra mim. Gosto muito da interpretação de Bethânia para a canção "Um jeito estúpido de te amar". Aliás essa canção entrou recentemente como trilha de um filme brasileiro que foi premiado. (na interpretação dela)

9 - Roberto Carlos, Emílio Santiago, Gal Costa, Maria Bethânia, Simone e tantos outros grandes intérpretes em seu currículo. Isolda, aqui no Brasil, quem você ainda queria ouvir gravando algo de sua autoria?

♪Gostaria de ouvir Roberto cantando uma nova canção minha. Não adianta... Ele continua sendo meu rei.

10 - Quando ouvi pela primeira vez Alcione cantando O pior é que eu gosto e constatei ser de sua autoria (já no disco ao vivo dela, em 2003), senti saudades de grandes canções com uma verdade de sentimentos tão bem cantados. Como vê a cena atual para os compositores que aí estão?

♪Com raríssimas exceções, estou bastante triste ao ver tanta mediocridade musical, uma vez que a música brasileira sempre foi conhecida por seu bom gosto. Hoje em dia não existe mais "o compositor" simplesmente. É preciso que ele seja também o intérprete das suas canções, se quiser sobreviver. O pior é que se supõe que o público brasileiro não tem cultura suficiente para um bom trabalho. Daí as piores opções. Mas tenho esperanças de que tudo isso seja apenas uma fase, de que o talento volte a ter o seu lugar na música.

11 - Cita uma ou algumas canções que gostaria de ter feito, de outros compositores nacionais?

♪Ah, gostaria de ter feito várias: "Eu sei que vou te amar" (Tom Jobim e Vinícius de Moraes), "O silencio das estrelas"(Lenine e Dudu Falcão), "Olha" (Roberto Carlos e Erasmo Carlos)...

12 - Um compositor brasileiro?

♪Antônio Carlos Jobim

13 - Um músico brasileiro?

♪Ah, são vários....

14 - O arranjo que mais aprecia em alguma canção nacional?

♪Cada canção tem um arranjo peculiar. Não sei qual eu mais gosto.

15 - O que você gosta de ouvir quando está em casa?

♪Gosto de ouvir músicas de Cole Porter, Gershwin, repertório de Sinatra ou mesmo antes dele. Gosto do que se fazia em música, cinema, moda nos anos 40, 50...

16 - Sei que é difícil, mas você me diria quem é, a seu ver, o grande intérprete deste país? E a grande intérprete?

♪São vários. Mas meus preferidos: Roberto Carlos, sem dúvida e Simone.

17 - Outra vez foi a sua canção mais regravada. Você disse que queria ouvi-la em francês?

♪Sim, ela foi regravada em inglês, espanhol, italiano, mas nunca em francês. Venho de família francesa/italiana. Já fui casada com um francês, gosto do país e no entanto, justamente na França essa canção não foi gravada. Quem sabe, um dia?

18 - Um trecho de uma canção?

♪"Tente esquecer de você, que um dia me amou..."

19 - Já pensou em escrever um livro contando sobre seu processo de criação, sobretudo desses grandes sucessos?

♪Escrevi e lancei um livro que se não me engano, está esgotado: "Você também faz músicas?" Estou agora escrevendo minha biografia, mas com todo o cuidado para não esbarrar em escândalos (como costumam fazer), sem oportunismos. Um livro para deixar para meus netos. Com todo carinho e sinceridade.

20 - Deixa uma mensagem para aqueles amigos que vão adorar ler mais sobre você, em tudo isso que você nos contou?

♪Ame, ame muito, ame sempre. A vida só tem sentido, quando a gente sente.

Isolda, um obrigado é algo pequeno diante de tamanha generosidade em nos proporcionar este prazer de lhe conhecer melhor e também saber o que você pensa sobre música. Você que sempre a tornou algo melhor, mais rico, mais agradável e mais sensível aos nossos ouvidos, com certeza entenderá que neste momento, nosso obrigado é apenas um facho de luz, diante dessa estrada iluminada que você percorre e que através de seu ofício enaltece "as voltas em que a vida envolveu cada um".

Um forte abraço a todos!

8 comentários:

Fabiano Cavalcante disse...

A Isolda eu comparo a um Anjo da Guarda, no sentido de que a gente nunca vê, sabe que existe, e só nos faz bem.

Parabéns Everaldo por mais este momento brilhante do seu site.

Armindo Guimarães disse...

Impressionante! Esta é o género de entrevista que se lê e lê Outra Vez. Obrigado, Everaldo Farias por tão maravilhosa surpresa. Arrasaste, pá! Grande abraço.

Unknown disse...

Querida Isolda! Grande Beijo!

Derbson Frota disse...

Grande Isolda, dona de composições inesquecíveis, eternizadas na voz de nosso rei.
Valeu pela entrevista, amigo Everaldo.

Derbson Frota
Tianguá CE

Marlos Chambela disse...

Perfeita a definição que Fabiano Cavalcante deu sobre Isolda!!

Eu, desde pequeno, sempre gostei muito mais das canções mais sentimentais dos discos do Roberto (que era o que eu mais ouvia durante a infância e adolescência). Normalmente as minhas preferidas eram aquelas últimas faixas dos discos, justamente porque eram onde colocavam as canções mais sentimentais.

Eu gostava tanto de ouvir, que depois "cismei" de querer compor também. Nunca com tal brilhantismo e êxito, mas sempre com prazer em fazê-lo. E foi justamente nessa fase que se destacaram duas das maiores influências pra mim: Isolda e a dupla Eduardo Lages e Paulo Sérgio Valle. Eu gostava também de outros compositores, mas eram nas composições da Isolda e também nas do maestro e seu parceiro que eu identificava o estilo de composição e os temas que eu preferia abordar. O jeito de tocar no sentimento de quem ouve, pra fazê-lo chorar ao lembrar de algo... Isolda sabe melhor do que ninguém como fazer isso!

Músicas como "Sou Eu" (gravada por Simone em 1993) e "Quem é Você" (gravada pela Simone em 1995), ambas em parceria com Eduardo Dusek, são mais do que música e letra: São verdadeiros poemas musicados, coisa de poeta maior, como um Drummond da vida... Mas além dessas poesias com valor de obras literárias, são também em canções simples, narrando momentos, sentimentos e pensamentos comuns, que se destaca todo o talento de Isolda:

Na triste e linda "Quando Vi Você Passar", (parceria com Mauro Motta, gravada por Roberto Carlos em 1986), narra com detalhes cinematográficos, como num roteiro, o encontro do protagonista com aquela pessoa que ele amou e nunca esqueceu, e descreve seus sentimentos com a mesma clareza que descreve a sequência de gestos e fala do tal encontro. Consegue transferir a imaginação do ouvinte para aquele momento descrito na canção. Não há como ficar imune ao ouví-la!

Em "De Coração Pra Coração" (pareceria com Mauro Motta, Robson Jorge e Lincoln Olivetti, proposta pelo próprio Roberto Carlos, que a gravou em 1985) seus versos são de uma leveza até um pouco rara de se encontrar nas canções do Roberto, normalmente tão denso até mesmo nas canções de amor presente e feliz. Essa canção de 1985 tem um frescor jovial e um romantismo leve, despretensioso!

E assim poderíamos ficar citando diversas composições suas... Mas acredito que a maior consagração para um compositor seja o que acontece até hoje, quando Roberto Carlos entoa a primeira frase de "Outra Vez" em seus shows: Após o "Você Foi..." cantado pelo Rei sozinho, ouve-se um "ahhhhhh", como um grande suspiro do público se "derretendo" naquele momento, e a partir daí a platéia inteira (que sempre é formada por uma multidão, lotando estádios e grandes ginásios) passa a cantar em uníssono cada verso dessa canção. E, diga-se de passagem, não é uma letra tão fácil de se aprender! Não é o tipo de letra com refrão fácil, pegajoso... Apesar de ser linda e emocionante, é uma letra grande, complexa, intensa! Mas o público inteiro, o Brasil inteiro sabe de cor e canta mais alto que o Roberto, que nesse momento quase se transforma num "back vocal" do seu público!

Anônimo disse...

Adorei a entrevista!
Como imaginei a cada palavra ouvida na música Outra Vez, só poderia ter sido composta num momento de grandes e intensas emoções. Parabéns Isolda pelas lindas composições. Maristela

Alba Maria disse...

Parabéns amigo Everaldo e obrigada por nos proporcionar momentos de emoção com esta fantástica entrevista da nossa grande Isolda, que nos deixou uma mensagem maravilhosa...
"♪Ame, ame muito, ame sempre. A vida só tem sentido, quando a gente sente."
Sensacional!
Abraço Robertocarlístico!

Baratta disse...

só tomei conhecimento dessa entrevista agora, dois anos depois e dia em que Isolda nos deixou. A mensagem deixada por ela foi a melhor mensagem que já ouvi. Grande postagem, Everaldo, parabéns. Estarei colocando o link dessa entrevista em meu blog na postagem de hoje sobre a Isolda.
Abraço do Baratta.